21 fevereiro, 2012

in my heart

 páro para contemplar a porta fechada. não é a mesma porta de ontem, os seus cantos outrora polidos e agudos estão agora rombos e lascados, as suas cores semi-apagadas...
ouço o vento assobiar por entre as suas brechas, sinto a brisa quente no meu rosto...



do outro lado, o sonho dança livremente ao som da natureza


por vezes, atravesso os prados em flor, 
sentindo as pingas grossas de chuva 
sob um arco de mil cores


outras vezes, ouço a calmaria da noite, 
as ondas acariciando a areia, 
a lua bebendo do mar


Karl Wilhelm Diefenbach - Il Tramonto

outro dia, outra porta...


01 fevereiro, 2012

dream?

I’m on the living room when the phone rings. The number showing on the display is unknown, yet I decide to pick up the call. I hear a bitter and weary voice that says:


the world will end in 65 seconds.

Then the words seem to blur, to lose meaning, while I run to him, hoping he can still grasp some pieces of this strange announcement… I stop. He’s holding the hair dryer on his hand, trying to switch it off in vain. Baffled, he tries to pull the plug yet somehow it keeps on making this perpetual sound… I pass him the phone but there’s no one there anymore.
We glance at each other with startled eyes and immediately know that the time has come:


we have one more minute to live.

In a frantic attempt, we run to the window and realize there’s other people staring from their balconies, waiting for something… the skies are filled with fiery gold clouds. I cry out to him:



I’m scared.

We hold on tight and give one last desperate kiss, and for the last time I taste his lips and sense his touch…


wake up.

I open my eyes. Against the bright shutter of my bedroom I see a tiny cloud of dark dots flying above me…


Open your eyes again.







09 março, 2011

corda vacilante


na corda titubeante baloiçamo-nos
contra o vento. O não é cinza escuro, cor d
a tempestade que se aproxima.

.Give it up.
.
.
.
hesitamos perante o abismo de realidades
-quimeras,
exigem-nos imediata aceitação
-formatação,
nossas vozes ressoam nas cruas paredes
do espaço racional
-maquinal
sofremos mudos esperando o nascer do sol,
o retorno do rei salvador
-impostor
.
.
.
give it up
.
.
.

can't give it up

Shadow of a Doubt by François Shuiten

libertai as amarras do medo

a hora é no agora,
a acção na mutação,
o lugar na ínfima poeira estelar

libertai as asas da criação

21 novembro, 2010

zero [∞]


raindrops glow on your curly hair
you float in a starless night
oblivious to the secret light
~
your eyes like black holes
draw in every bit of life & death
the infinite so close to zero -
so close to love
~
words are empty vessels,
dust that covers our souls
-let us sleep in dreamless sheets,
they grimly reply
~
up above we loners glare
and dare to see, touch, and taste
once again nature's wonders
~
oh, let the rain flow
through all corpuscules of our bodies
in a wedding of animus & anima
~
you & I so far apart
yet so near...

30 agosto, 2010

hit the bottom and escape



O dia morria lentamente naquela tarde de verão. As nuvens formavam carreiros de pó dourado no céu. Entráramos uma vez mais na zona de ausência

Golden-Clouds by Kraseevaya


onde transbordam as emoções inebriantes diluídas nos confins da psique,
e suspiramos perante a míriade de existências a encarnar.

13 maio, 2010

in-vozes-tiranas

nascemos para a descoberta de uma imagem multicromada, multisonora, multisensitiva. acordamos ensonados, ainda tocados pelo inebriante manto de morfeu. pelo dia fora revivemos pedaços de sonho, aqui e ali, como choques indolores. continuamos noite adentro pelo rio do esquecimento. morrendo o éter, retornamos ao leito e ao doce hipnos

- será isto a realidade? - perguntamo-nos mais uma vez

a podridão das ruas reproduz-se no seio desta casa, pelas sombras na parede,
galopando incansavelmente pelas nossas lacunas de amor, saber e poder

esgota-se o tempo por entre as vozes de uma língua criada para a incompreensão

Clifford Ross - from the 'Hurricane' series

01 setembro, 2009

a perda

O tempo estugara o passo, alheio às deambulações frágeis de [ ]
Ela vira todo um mundo entorpecido pelo movimento ininterrupto da Máquina

a arraia-miúda movia-se em frenesim em direcção à cova,
seus olhos já fechados,
seu cheiro a podridão,
suas bocas gretadas e para todo o sempre seladas,
pois nada do que diziam aqui permanecia
tudo seria pó,
tudo era pó...

ah! a lenta e ressoante perda de identidade!

pensava na urbe, no seu mecanismo produtivo e ominipresente
consumia-a, consumia-os, consumia-nos,
até os corpos se fundirem com as suas paredes plúmbeas,
formando semi-homens, semi-máquinas
- como traças tacteando a noite à procura da lux -
só vislumbram (vix luminare) as sombras do ego



19 agosto, 2008

( the green light )

Desço, cansada, a colina dos sonhos de encontro ao lugar da inexistência. As folhas permanecem taciturnas neste vale morrediço, intocadas pelos raios de sol ou de lua. O húmus. O húmus dissipa-se por cada interstício de solo, reinando sobre o submundo. Nestas ruínas esquecidas, o silêncio acolhe os pensamentos numa espiral organizada de névoas cerradas. Aqui não sou homem ou deus, corpo ou percepção. apenas sombra ___________________________________ este espaço








let it in, the green light



um dia voltaremos a ser húmus


13 junho, 2008

zion

O conhecimento mais valioso vem de dentro. 

O questionamento é constante. Indeterminado pelos evocamentos do Outro, apenas reconhece o Ego, com o seu poderoso rugido,  a sua voz como uma flecha incandescente percorrendo cada interstício da mente... não são precisas balas para O matar. ou orgasmos para O saciar. O seu combustível brota da (quase) cópula entre insanidade e sabedoria, da inevitável constatação da ordem pela desordem, do branco pelo negro. Mas como pode ser bela a noite... 

Esperamos o comboio chegar com o nascer do dia, com o nascer da regularidade. Cada um ainda digere a noite e a sua voluptuosa melodia, lançámos loucas perguntas e retornaram algumas respostas, com o seu peso entorpecendo os nossos corpos...  o Leão adormece no nosso leito, a sua respiração lembrando-nos que regressará mais uma vez, até ao frágil Homem cruzar o abismo do tempo e do espaço... 

20 setembro, 2007

retorno a

um movimento incessante, uma batida hipnótica, apaixonamo-nos por palavras e meios corpos
ah! como é bom escolher não escolher e mergulhar em pensamentos a milhares de distância do nosso percurso, vemos o mundo através de um caleidoscópio rodopiante, viajamos por espirais de luz ao encontro

do quê?

o púrpura dela procurou o dele a um ponto,
as barreiras do ser vacilaram, dissipando velocidade
as suas mentes perderam-se

o tempo, uma ilusão. no entanto a ele cedo,
ansiando, desesperando
os infinitos reencontros possíveis
de sangue

03 julho, 2007

Beksiński


esta pintura lembra-me um sonho.
entrara na fenda de uma casa em ruínas, fugia de alguém que me queria matar. e a configuração mudou. Perante os meus olhos, o apocalipse parecia materializar-se em cores esfuziantes, púrpura, verde, roxo, laranja, cobriam os céus... semicerrei os olhos. a terra seca estendia-se por diante dos meus pés até tocar as colinas. uma torre envolta em negrume sobressaía do lado esquerdo da paisagem, um bloco de pedra misteriosa, escadas em espiral atingiam o seu topo onde se elevava uma lua decrescente, quis ver melhor, aproximar-me desse edifício de fim de mundo.

e depois vi-as. umas sombras projectavam-se no cimo das colinas, os seus contornos ... não eram formas humanas


foge
deixei-me ficar.
afundar-me-ia nesse fundo

28 janeiro, 2007

revolvimento.

Rondava os quatro cantos do quarto refugiando o seu olhar na pequena janela que o unia às ruas inquietas. O sol fugia-lhe indomitamente do outro lado, os passos e as vozes minguavam à passagem da sombra, é tudo um grande teatro, pensou. Lendo os seus pensamentos, a noite fez o seu aparecimento em palco, projectando a sua bailarina nas paredes vazias da divisão.
Quisera deitar-se, o dia seguinte assemelhava-se na sua mente ao de Prometeu, mas algo o detinha. Pleno na escuridão, repousou o seu corpo cansado na parede e humedeceu os beiços. Algo se esgotava além da água nas suas células, um nada que poderia ser tudo... estendeu as mãos e perscrutou as suas linhas, veias, protuberâncias. Procurava inutilmente a causa em algo de palpável e, por momentos, acreditou ver numa mancha de sangue a fonte do seu descontentamento. Acenou negativamente com a cabeça, aquela mácula existia há muito, não se lembrava era do que a tinha provocado... sorriu. Recordara-se dos seus dias de infância, das vezes em que chegava a casa imundo, com os cotovelos e joelhos ensanguentados e, ainda assim, feliz de si. Perante a grandeza de um mundo por descobrir, o aspecto exterior em nada abrandava o seu curso desvairado...
Nada restara desses tempos, apenas a agridoce lembrança.
Hoje somente desejava poder esquivar-se da realidade e das suas teias, refugiar-se noutro reino, um de profundas crateras e seres alienígenas incompreensíveis para a sua fragilidade humana... não teria de relacionar-se, apenas subsistir (e só se o quisesse). Aqui, ele permanecia interminavelmente ligado aos outros; o acaso unia milhares de pessoas que, mesmo na mais profunda solidão, se encontravam agarradas por correntes, umas temporárias, outras eternas. Eram as últimas que, nos seus momentos mais lúgubres, o impediam de cometer um acto de pura sanidade
(a insanidade mantinha-o vivo)
Colocou uma velha música a tocar no seu gira-discos. A voz feminina deslizou pelo vazio, encontrando-o caído no chão.
Tonight we escape...

he fell asleep.

*

25 janeiro, 2007

nothing to fear


I jumped in the river and what did I see?
black-eyed angels swimming with me
a moon full of stars and astral cars
all the figures I used to see
all my lovers were there with me
all my past and futures
and we all went to heaven in a little row boat

there was nothing to fear and nothing to doubt
there was nothing to fear and nothing to doubt
there was nothing to fear and nothing to doubt
there was nothing to fear and nothing to doubt


Pyramid Song - Radiohead

17 janeiro, 2007

out to sea

[era sentir outra vez
a sensação nauseante
de âmago poluído]
procurei a origem da inquietação que me assolava há um tempo e,
se bem que nem sabia dizer quando começara,
o passado indiciava o caminho -
a mancha ainda lá estava, algures entre o que não conseguia controlar e o que desejava mudar, insidiando as imagens que outrora coloriram os meus passos.
(a vida em bd - adquira na loja mais próxima de si)
a podridão vinha de dentro . . .
senti o meu ser desconexo apoderar-se de um calor,
uma chama,
uma explosão
a podridão vinha de dentro . . .
[devoram-se as entranhas]

papéis de rebuçado espalhados pela cama - dormem comigo milhares de sabores.
desumano
- o homem que aprendeu a amar a solidão
(aceno-lhe de longe sabendo que não me vê)

.sonhei com o mar. nele mergulhava com fervor,
desejando fugir das sombras.
afastei-me rapidamente da costa; as ondas puxavam - sugavam - o meu corpo
para o fundo
.
.
.
.
.
[negrume]
um silêncio pacífico , um conforto uterino
que não dura
que não dura
que

[san bebeu daquela água insalubre]

a podridão vinha de dentro . . .


silêncio

«mas o silêncio não é mais que um vazio entre guerras»


14 agosto, 2006

freak show

yes,
sometimes everything looks like a freak show -
where are you standing? in the arena or amoung the crowd?
.lose the fancy mask.
.or keep it. they make wonders!

.f.u.c.k. . . . . . .i.t.

and vote for Lolita

28 fevereiro, 2006

radiohead



the flan laying on the floor, your oafish face stealing my thoughts, stealing my strength
don't you know they're here to put me inside
the pretty machine in the ceiling x-rays me, what do i see?
an indelible stain on my lungs, rotting inside, rotting inside
brass mouths please eat my spider webs, my poisoned strings mooring me to the walls of this insane house
you fucker think i'm real
i cannot save you i cannot save myself
deep inside your head they drew a map to your sought sanity but you soon lost your way
and something's grazing my skin, deeper into my flesh, a bullet trying to work its way through, it itches, it wears me out
i wish i was bullet proof
dreaming of beautiful landscapes that become landslides, dark skies turning people grey, blinded minds, blinded hearts
nice dream
they build these plastic roads that lead you in circles, you're a fish in an aquarium and your clean face reflected in the water makes you happy
what are we coming to?
and of course i'd like to swim through the sewers against all the filthy shit they made
but the alligators are listening in
and the whispers are making me feel ill, they're inside my head
don't follow me around, my feelings are lost in limbo
you're living in a fantasy world and i'll eat you alive
can't you see i want to be someone else or
i'll fade out again
and again
(the voices telling me to suck your pure young blood, if you don't belive this, sell your soul)
go
because i'm not coming back

For a minute there
i lost myself, i lost myself...



08 outubro, 2005

no surprises

tenho os dedos a cheirar a café.
e o casal discreto que se passeava alegremente pelo hipermercado? e o rapaz de rosto e cabelos tão belos e pueris? eu VI. vi que o homem do casal me olhava curioso - como a concha de amor que os separa dos homens normais se quebra tão facilmente - e vi que um futuro sujo e aviltado se traçava para o rapaz - denunciara-me seu tão precoce duro olhar -

não vês que cheiro a café? afasta-te de mim
a vida é mais que junkies e bolachas molhadas em café
não? ...

há uma criança que não salta
uma criança que não corre
uma criança que não ri
uma criança que não
que não
que não
uma criança que tudo vê

há uma criança sentada nas escadas da minha casa, lê um livro e come uma sandes de fiambre, tem os cordões desapertados e os cabelos desordenados, sibila uma cançoneta de sua mãe,

deixou de ser uma criança
agora é a criança

27 setembro, 2005

drugs

Manda mais, meu boi da merda
pensas que me importo com o resto? quero lá saber de como 'tás
e não me tentes enganar com merdisses dessas, a mim não me chulas! Quero mais e do bom, sei que o tens.
foda-se para isto, 'tás a ser lento de propósito!
...

ADEUS
nunca mais me verás, percebes? vou arranjar outro que me dê o que quero, és um inutil de merda
O QUE EU QUISER!
_|_ VAI chorar para o ombro da avózinha, vai, suicida-te! VÊ SE ME IMPORTO
...

ai afinal tens aí a cena? DÁ-ME ESSA MERDA AGORA!
por favor
...

Tomar um café? tudo bem... sim amor, gosto muito de ti.

17 setembro, 2005

12 setembro, 2005

X

- Tens um X no peito.
Eu sei. Fui marcado
marcado
marcado
esfaqueado pelo preto na estação do Oriente
queria roubar-me o coração, o miserável.
o coração. a mim. ao motorista mais fodido desta cidade
Sabes como é ser tocado por Deus?
- não.
Foi isso que me aconteceu. Deus acordou-me para ver as mãos ensanguentadas do preto a tentar tirar-me a alma - aquele filho da puta ia pagá-las
saltou de espanto quando viu os meus olhos abrirem-se. no instante que se seguiu (como Deus em mim) saquei-lhe a navalha e espetei-a bem fundo nas suas goelas – vi-o morrer sufocado no próprio sangue enquanto nas lajes brancas do chão se formava, pela união do nosso lodo, um X

10 agosto, 2005

Jorge Cruz - Adriana



Mais um dia na cidade
Eu não sei nada de ti
Ainda não vi o teu milagresobre mim
Eu nem ouso sentir esperança
Estou tão longe do que é bom
Não te tenho nesta dança, neste tom

Mas se te vejo, adriana
Se te vejo, adriana
Eu quero ir, eu quero ir, eu quero ir, eu quero ir
atrás de ti...

Eu quero ver-te no meu espelho
Intimidar-te com o olhar
E
confessar-te que foste eleita para eu me dar
Vá vem dormir para os meus braços
Que eu vou mostrar-te o que é o amor
Se eu não vencer
quem vence a prova do teu rigor

Mas se te vejo, adriana
Se te vejo, adriana
Eu quero ir, eu quero ir, eu quero ir, eu quero ir
atrás de ti...


Mais um dia na cidade
E ainda não sei nada de ti
Mas é tão bom ter o teu nome aqui
aqui...
aqui...
aqui..
eu estou aqui



.
algures
forademim
.
além
dosconfinsdaminhanãoexistência
.

aqui


queres a direcção?

15 julho, 2005

O

Entre estas quatro paredes vazias, o meu corpo repousa nas frias lajes do chão. A solidão já não só habita interiormente. Como sangue, esta jorra dos meus poros formando um dique dentro do quarto, até rebentar pela janela, e os vidros gritarem pela noite fora. Chove solidão. Lá fora, ouvem-se os seus choros tristes, e cá dentro caem lágrimas de compreensão.

No tecto há um buraco que cresce a passos largos. Vejo a escuridão de um céu sem estrelas. A minha mente viaja até encontrar a Náusea. E depois o Nada.

merda de buracos que nos comem

22 junho, 2005

Tu, criança, eu

As cores que explodiam no céu já não tão negro a iluminar os seus olhos engrandecidos pelos sonhos e esperanças de criança
A noite a fechar-se sobre aquele corpo pequeno e luzidio
Os sorrisos nos rostos dos adultos, a fugirem, sempre a fugirem de si

Um anjo mudo parado no meio dos destroços boémios
O festejo cega as pessoas que gritam, dançam, giram à sua volta
Ouve-se o piano, o doce som das notas de piano, que embala
a menina-anjo
e entorpece os restantes

Eu vejo-te, eu sei quem és. Do meu sonho, do meu passado, voltas sempre todos os anos.

Ouve os filhos da noite que chamam por ti, cheira as rosas púrpuras que te oferecem, vê como te querem, vê como te desejam, famintos de pureza, buscam-te incessantemente, em cada esquina, em cada luar, não sentes?

do teu corpo, uma luz difunde-se
cenário branco

Fora tudo um sonho de criança.

06 maio, 2005

(momentos)

Deveria eu ter aceitado as tuas desculpas? - pergunto-me, enquanto ao longe o telefone toca. É o Luis a dizer que passa aqui às 9h para nos tirar uma fotografia com a sua nova câmera. Desligo o telefone, atiro-o para cima da cama, e reparo na luz que vem de lá fora - O sol demora-se a morrer. O vento que entra pela janela é morno e traz os cheiros do Verão que outrora estiveram escondidos. Assim como tu. Uma aranha agarra-se impetuosamente ao cortinado que entra pelo quarto, o vento recortando-lhe ondas de azul com reflexos doirados. Há momentos destes em que a mente pára para se deleitar com a beleza que seus olhos alcançam, os pormenores tão perto e os lá ao longe. Desperta-se para a vida, e o tempo observa impávido enquanto rasgamos as águas e respiramos pela primeira vez (ou assim o parece). Tu adormeces nas teias em que tua mente te embrulha. Mas eu não quero ver, a decadência interior perturba-me, (tarde de mais) as lágrimas caem destes olhos cansados, testemunhas da queda humana. Namorados passeiam-se ao lusco-fusco, não sabem a noite que ainda há-de vir, com seus segredos e ilusões e (como marinheiros que se deixam encantar pela voz das sereias) os seus olhos brilham - o momento crepuscular pertence-lhes.
Por vezes condeno-me por te ter incentivado para a vida. Atirei-te para os leões ferozes, pensando que teus dons apaziguadores os aquietassem. Da arena triste vieste, com a mais dolorosa das lamúrias de se ouvir: o silêncio. Debalde foram as minhas ávidas tentativas de ver - compreender - sarar as tuas feridas. Debalde as lágrimas de raiva atiradas ao mutismo com que me deixaste.
Recolho-me, então, a um círculo exterior ao teu, a um outro jardim de pensamentos e sensações, para ver a vida passar. Momentos como este que passou (a luz é quase imperceptível) repetem-se, as árvores vigilam meus passos, sabem que me exilo da realidade cujas mãos queimam inocentes - aqueles que esperam a ternura abraçar o mundo, aqueles que devem ódio ao mundo - ah, o covil onde se metem tais almas puras!
O teu carácter fleumático como foi dificil (agora impossível) de rasgar por momentos, para de seguida te esventrarem na noite, com palavras, com gestos, com meros rostos falaciosos. Como desejaria ser o teu manto de protecção e afastar toda a crueldade humana, mas o inevitável aconteceu, o mundo voltou a abandonar-te magoado ao relento, provando não haver Esperança (esta a mim também me escapa pelos dedos).
Saber dói mas não saber é-me insuportável (a noite cai).

20 abril, 2005

The Hours


(Nickole Kidman as Virginia Woolf)
"Dear Leonard,
to look life in the face...
always to look life in the face,
and to know it for what it is.
At last, to know it,
to love it for what it is,
and then...
to put it away.

Leonard...
always the years between us,
always the years...
always...the love...
always...
the hours. "

Virginia Woolf in The Hours

14 abril, 2005

sem fim


"Ah, look at all the lonely people"

As pessoas tornam-se pontos de luz que viajam a toda a velocidade, rodopio até cair e as pessoas são pontos de luz que viajam a toda a velocidade, sou uma pena que gira ao vento, e os vossos sonhos dançam em redor, a música invade os corpos e consome a sanidade,

"All the lonely people
Where do they all come from?"

quem se importa? a tarde vem morrer às janelas e os feixes cor fogo escondem o cinzento podre das pessoas que serpenteiam as ruas, velhos saem do comboio ao longe, trazem consigo os ventos da queimada, são o culminar da solidão que desgasta os ossos àqueles a quem o fastio rouba a vida, ouçam as paredes, ao crepúsculo as paredes murmuram os segredos solitários que ouviram de dia,

"All the lonely people
Where do they all belong?"

ninguém quer ouvir e a noite instala-se cá dentro, bailo até que alguém ouça, veja, sinta a maldade a escorrer pelas paredes, ruas e rios, até ao mar, voltar pelas ondas, tocar n'alguém e matar, saciar a sua sede de viangança, ódio, inveja, ganância, até não restar mais nada a não ser a solidão,

look at all the lonely people...

rodopio até cair.

08 abril, 2005

nobody will come dance with us


Pale white
Mr. Haley turned and said:
You must not cry now
Crossed the ocean
For his love
To bring her falter

And his chest beat like a wolf
To bring her home
And his chest beat like a wolf
To bring her home

Nobody will come dance
Will come dance upon our grave
Nobody will come dance
Will come dance with us

Her face's so delicate and bright
In alabaster
And his chest beat like a wolf
To bring her home
And his chest beat like a wolf
To bring her home

And if ever you try to sever
All the things we've come to know
And if you ever try to sever
All the things we know

Nobody will come dance
Will come dance upon our grave
Nobody will come dance
Will come dance with us
Shannon Wright & Yann Tiersen

24 março, 2005

onde fica essa terra de ninguém?

Uma vez alguém me disse para deixar de fugir do mundo.
Então, eu fugi.
Olho as pessoas da minha janela,
e culpo a ataraxia que se apodera insidiosamente de mim,
num sopro constante de vida.
Como elas vão e voltam, vão e voltam, vão e voltam,
gostava que não voltassem.
Nado,
deixo-me mergulhar na loucura dos homens
a água morna embala-me, envolve-me,
fode-me. a loucura.
-esconde-me
bem
fundo
na
solidão-

20 fevereiro, 2005

nascer


A voz diz-me outra vez que me tenho de levantar. É importante. O quê? Deixa-me dormir…
Vem. Para onde vamos?
Para o fim do mundo. Precisas de ver. VER.
O fim do mundo? … Eu vivo aqui bem, deste lado do vidro, não vês? Sempre que olho para o mundo dos Homens, entristeço-me, eles são indiferentes à miséria, à crueldade, à destruição lenta e gradual da sua raça. Os velhos andam pelas ruas, de olhar triste. O homem das laranjas é outra vez assaltado pelos rapazes que correm a rir, e o miúdo de nariz vermelho é gozado. A mulher corre para apanhar o autocarro, não pode perder o emprego, já ganha tão pouco… o homem de fato olha o relógio, a rotina diz-lhe que tem de passar aquela esquina às 9:05, se não o mundo acabará. Enquanto isso, do outro lado da rua, os pais deixam os seus filhos na creche a correr, e os miúdos olham para trás com um olhar perdedor, como se tivessem sido arrancados da cama a meio da noite e o frio se lhes apoderasse… Tenho frio. Que luzes são estas?
Atravessa essa frecha na parede. Do outro lado está o que precisas de ver.
Sozinha? …
...
O céu estava coberto de nuvens cinzentas e roxas, raios de pôr-do-sol trespassam os céus, mas onde estava o Sol? O céu apocalíptico estendia-se sobre um infinito campo cinzento, e no meio, erguia-se uma torre sem escada. Seres, formas difusas, pararam para me ver, mas eu não os conseguia delinear, uma sombra pairava à sua frente, espectros, almas perdidas, humanos?... algo daquela imagem insólita me fez cair e depois só vi a escuridão.
Acordo de súbito, fora só um sonho...
Aproximo-me do vidro. A vida do outro lado é tão estranha. O homem do fato olha o relógio sem vida. Uma rapariga esboceja, entorpecida pela manhã. Vejo-lhes as caras, são reais, mas não me podem ver. Não, ninguém me pode ver.

Porquê?
Não quero olhar-me ao espelho e não me ver. Não quero ser humana.
Porquê?
...
Eu sou tu. Tu és humana. VÊ.


um espelho cai-me das mãos
pedaços de mim espalham-se, partem o vidro do meu mundo
caio
.
.
.



15 janeiro, 2005

de dentro



A vida é feita de peripécias. Começa o desenrolar, atinge-se o climáx, dá-se um desfecho. [E se eu não as quiser?]
Vi memórias que não eram minhas, lágrimas derramadas pelo amor, histórias de paixão e angústia, [porque é que as recordações teimam tanto em ficar?] e não quis acordar para a minha vida. Tantos passados, tantos destinos, o ambiente degradado, o rosto imutável, a luz fria, e os olhos vítreos - uma lágrima cai -[de que te recordas agora?], são tudo descrições, tudo ilusões por não passarem de uma realidade que não me pertence. MEDO, dizem que estou consumida pelo medo. Tenho sono. Um cansaço atinge-me bem fundo. [Quando é que os sonhos acabam e a realidade começa?] Mergulhar na escuridão, deixem-me absorver a noite até não existirem mais estrelas. Há um vento cortante, queima-me os olhos, olhos cansados de ver os homens, as mulheres, as crianças, os velhos, [o que querem de mim?] a noite perde o seu fulgor novamente...
Ele fora-se para sempre, permanecendo apenas a sua caixa de recordações, no lugar onde se tinha esquecido de amar. [Ou fora de ser feliz?]
"As recordações são rastos de lágrimas"

08 dezembro, 2004

. na pia

Vozes baixas saem dos seus corpos, sussurram, algo que não consigo decifrar. Uma luz denota as suas formas, lembra-me os meus sonhos, o meu buraco negro, e a luz lá no fundo, no fundo da fenda...

Um mosquito morto na pia. Um ponto preto no branco. Acordo para ver isto. Mas porque é que acordei? Olho mais de perto. Umas asas minúsculas saem do seu corpinho peludo. O tempo a correr à minha frente, acena-me, e o ponto negro imóvel na pia. Sinto o mosquito a olhar-me, sei o que está a fazer, percorre os domínios da minha alma, cheira-lhe a podre, quer comer-me. A vida a fazer-me uma rasteira, ri-se de mim ao longe, e o mosquito a olhar para mim. A morte, não se compara a acordar todos os dias para um espelho partido. Sete anos de azar, grita-me o mosquito, da morte branca, porque a sua morte assim o foi, branca. Cego até à cova, o mosquito transporta consigo o sangue de mil mulheres, a sordidez de muitos homens e a podridão dos velhos, acabando morto na minha pia branca. Sem agradecimentos ou injúrias, o mosquito morre na ignorância. A insanidade a fugir-me pelas mãos, esconde-se de mim na sombra, e o mosquito a subir-me à cabeça. Uma gota cai da torneira, e o mosquito mexe-se. A luz da casa de banho atinge-me bem nos olhos. Começo a ouvir os seus sussurros, palavra a palavra, começo a perceber... Uns morrem no branco de uma pia. Outros no sangue de uma batalha. Mas todos morremos para cair no buraco negro do começar uma nova vida. Aí surge a luz e depois o sangue, e todas as cores do arco-íris…

Abro a torneira, a água sai enferrujada, e um ponto negro desaparece pelo buraco da pia.

04 dezembro, 2004

teias do tempo


"A Miss Hudson acabou de fechar o livro - disse Rhoda. - Está a começar o terror. Agora, pega no giz e começa a desenhar números, seis, sete, oito, e depois uma cruz e só então uma linha. Está tudo no quadro. Qual é a resposta? Os outros olham, olham com ar de quem compreende. O Louis escreve; a Susan escreve; o Neville escreve; a Jinny escreve; até mesmo o Bernard começou agora a escrever. Todavia, eu não consigo. Apenas vejo números. Um a um, os outros vão entregando as respostas. Chegou a minha vez. Só que não tenho respostas. Os outros tiveram autorização para sair. Deixaram-me sozinha para que encontrasse a resposta. Os números não têm qualquer sentido. O sentido desapareceu. O relógio faz tiquetaque. Os dois ponteiros são como caravanas a atravessar o deserto. As barras negras no mostrador são como oásis verdes. O ponteiro maior antecipou-se para ir buscar água. O outro, dolorosamente, vai tropeçando por entre as pedras quentes. Acabará por morrer no deserto. A porta da cozinha bate. Os cães vadios ladram lá longe. Reparem, a forma redonda do número começa a encher-se com o tempo; o mundo está todo lá contido. Comecei a traçar um número, o mundo está lá dentro e eu estou fora do laço. Acabo por o fechar - assim - selando-o, tornando-o inteiro. O mundo está completo e eu estou de fora, a gritar: «Oh, salvem-me, salvem-me de ser afastada para sempre do laço do tempo!»"

As ondas, de Virgínia Woolf

27 novembro, 2004

.

a porta da igreja aberta. o céu cinzento, o vento a bater na escadaria, rostos, olhares, ninguém vê, ninguém sabe, ninguém...
um cigarro na boca, o olhar distante. uma lágrima no rosto, um abraço vazio. e eu sinto a sua morte em volta do cenário. uma sombra que percorre cada lembrança, cada pedaço seu que persiste dentro deles. ela estava melhor, saiu das clínicas, já não andava em psiquiatras, entrou este ano na universidade. parecia melhor... duas pessoas sentadas nas escadas, olham-me, eles sabem que eu sei. comunicamos por silêncio e o que nos une é a sua morte. ontem de manhã o pai encontrou-a na cama, estava gelada. mas é melhor não falar disso. penetro-os com o olhar, a sua tristeza torna-se a minha, o meu vazio torna-se o deles, e só queremos fugir dali.
olham-me como se eu fosse ela. a ligação torna-se cada vez mais forte, preciso de fugir.
deixo os vidrinhos de vida para trás, e algo me diz que só fujo do inevitável.

não sei o nome dela. nunca a vi. a pedra cinzenta, sussurros no ar, deve ter tomado qualquer coisa...


e se eu te tivesse conhecido?

06 novembro, 2004

asas para voar...

Que faço aqui?

Tic-tac, tic-tac, tic-tac. Mais um passo, mais um olhar.
Um pássaro que se atira contra a janela e um miúdo asmático no meio da rua. Ouço a sirene de ambulância ao fundo, ou será dos bombeiros? What makes you tick? Uma pedra solta no passeio. Um homem desesperado ao volante. Não te conheço, não me conheço. Os olhos fecham-se sobre o livro. Não quero ver, não quero pensar. A folha que esvoaça pela estrada. Quero vida. What kind of shopper are you? Riem-se, falam, e riem-se mais. Desço as escadas, subo as escadas, viro à esquerda e depois à direita. O pássaro continua a atirar-se contra a vidraça. Tic-tac. Tic-tac. Tempo para amar e tempo para morrer...

O comboio partira sem ela. Que fazia ela ali à espera?

Alguém me empreste cola e asas de anjo

27 outubro, 2004

palavras sem tempo

É sempre tão inconstante, a minha vontade de interferir. Por um segundo, as palavras formam-se, no segundo a seguir, diluem-se naquele pesado silêncio. Aquele silêncio que ninguém gosta de quebrar, porque a primeira nota de som vai logo embater nos grandes portões do silêncio, e mesmo o mínimo ruído parece um grito agonizante que nos acorda para o mundo. Quem ousa abalar o meu silêncio? Cobardia? talvez. Ou talvez as palavras não mereçam atenção... Mas e as palavras riscadas no papel? aqueles sarrabiscos de tinta que tentam apagar algo escondido... quem é que já não tentou ler o que estava lá escrito, por baixo daquele véu negro de algo que ficou por dizer? e paira aquela névoa densa no ar. E não digo o que penso. E algo fica por dizer. E simplesmente, não me atiro para o meio da estrada para salvar o rapaz. E a vida continua. Sigo em frente, pelos corredores do que é palpável. E a vontade volta de mudar. De salvar o mundo de tudo o que vejo nos olhos daquela gente sem sabor. O azedo de toda a situação. Interferir, deixar passar a multidão cega. E as palavras formam-se para, mais uma vez, as escrever no meu muro das lamentações. O muro interminável do não saber aproveitar cada pedrinha de areia que cai na clepsidra gigante chamada vida. Afogo-me na minha saliva.

20 outubro, 2004

Dilúvio

O dilúvio - o vento carrega consigo as mágoas passadas, os gritos sufocados de mil crias afogadas, as peles dilaceradas, o que foi arrancado à natureza sem pudor, que agora nos é devolvido... -

A rapariga dá uns passos no andaime, não pára, cai, está no chão - um sonho sem som -

As manchas de sangue no papel - dor no seu coração -

A tília a cair à minha frente - beleza e tristeza confundem-se -

O menino a chorar à chuva nas grades verdes da escola - abraça-me -

Memórias fotográficas

14 outubro, 2004

não quero acordar


Esquecendo o preservativo, aventurei-me nos vales da minha imaginação.

O sol morria nas nuvens cinza, uma luz prateada abria os céus e me comia os passos
o vento a asfixiar-me docemente
a tempestade a mergulhar em mim
uma gota de chuva no meu nariz
Corro sem pensar. Corro sem pensar. Corro sem pensar.
C-o-r-r-o s-e------

Diz-me, para onde vão os sonhos quando ficamos cegos?

às vezes os vales afundam-se e nascem prédios e caras poluídas
e o céu prateado é o cinzento das estradas
e o vento que me asfixia são os bafos de mil corpos
e a tempestade humana desaba em mim
uma gota de chuva no meu olho

Diz-me, para onde vão os sonhos quando ficamos cegos?

vejo ao longe os prados verdejantes, ouço os trovões que se aproximam
um ponto de luz a escapar-se no poente
Corro para os meus sonhos, sem pensar.

09 outubro, 2004

preservativo sem identidade


um preservativo na secretária.
um preservativo a destoar entre os papéis espalhados pela mesa.
a respiração a acelerar, os olhos cravados no invólucro, de quem será?
um pequeno objecto que passaria despercebido à primeira vista, mas não para os meus olhos curiosos.
quando vi, pensei que fosse outra coisa.
um supositório, daqueles que se vêem na casa dos avós.
no segundo a seguir, o nome me veio à cabeça, e deixou de ser um pequeno objecto sem interesse.
a minha mente a dar voltas... de quem será?
imagino o preservativo nas mãos de todas as personagens desta casa. Excluo duas pessoas. Restam-me as outras três...
na minha cabeça, um livro se abre. Vamos lá analisar as personagens, as suas vidas nos últimos dias.
Sim. Não. Talvez...
poderia ser desta ou daquela. Inclino-me mais para a experiente.
a questão mantém-se. São precisas provas. Terei de fazer perguntas...
aquele preservativo na minha mão abre portas para outros mundos desconhecidos.
escondo-o o mais rápido possível debaixo de uns papéis. Abandono-o ali, naquela secretária velha.
realidade, enfrento-a novamente.
são pequenos passos que dou, sigo as pistas que encontro no meu jardim, para me levarem para lá das muralhas do meu mundo.
...de quem será?...


07 outubro, 2004

Chocado?



Valeu a pena ver a verdade escondida?




Afoguei-me em milhares de sonhos, pequenos monstros nascidos de mim. Embalei-os numa teia fina, feita de palavras, bordada com a mais doce esperança, até que foram crescendo, cada vez mais gordos, mais risonhos, até onde iriam as paredes da ilusão?




O olhar esgazeado.




Que foi? Não sou aquilo que esperavas?
Deixa-me rir! Cuspo em ti, cuspo nas tuas pútridas máscaras, cuspo na tua cara coberta de mentira, agora o que és?
NADA! N-A-D-A!
Ahahahhah!



Afogo-me mas não vos levo comigo. Agarro o medo e afundo-me com ele. Para trás, deixo a vida, os sonhos e a esperança. Os nossos olhares deixam-se ficar presos pela corrente do que construímos. Não te abandonarei. Nunca. Os teus olhos de cristal largam lágrimas de sonhos só nossos que ninguém mais alcançou. Mergulho nestas águas envenenadas, o último sopro atirado ao vazio, continuo a olhá-lo, uma visão que se esvai na escuridão…

06 outubro, 2004

It can't rain all the time

We walked the narrow path,
beneath the smoking skies.
Sometimes you can barely tell the difference
between darkness and light.
Do you have faith
in what we believe?
The truest test is when we cannot,
when we cannot see.

I hear pounding feet in the,
in the streets below, and the,
and the women crying and the,
and the children know that there,
that there's something wrong,
and it's hard to belive that love will prevail.

Oh it won't rain all the time.
The sky won't fall forever.
And though the night seems long,
your tears won't fall forever.

Oh, when I'm lonely,
I lie awake at night
and I wish you were here.
I miss you.
Can you tell me
is there something more to belive in?
Or is this all there is?

In the pounding feet, in the,
In the streets below, and the,
And the window breaks and,
And a woman falls, there's,
There's something wrong, it's,
It's so hard to belive that love will prevail.

Oh it won't rain all the time.
The sky won't fall forever.
And though the night seems long,
your tears won't fall, your tears won't fall, your tears won't fall
forever.

Last night I had a dream.
You came into my room,
you took me into your arms.
Whispering and kissing me,
and telling me to still belive.
But then the emptiness of a burning sea against which we see
our darkest of sadness.

Until I felt safe and warm.
I fell asleep in your arms.
When I awoke I cried again for you were gone.
Oh, can you hear me?

It won't rain all the time.
The sky won't fall forever.
And though the night seems long,
your tears won't fall forever.
It won't rain all the time
The sky won't fall forever.
And though the night seems long,
your tears won't fall, your tears won't fall,
your tears won't fall
forever...
Jane Siberry, The Crow ST

03 outubro, 2004

Através da fenda

Engana-me a maneira de ver a vida.
A pureza do mundo.
A beleza no olhar de alguém.
Ver para além da realidade cinzenta, um arco íris perdido que nunca existiu.
Talvez se fechar os olhos, seja levada pela corrente, lá bem para o fundo da multidão.

E o tempo abrande
para viver
sem respirar
o segundo
a seguir

O relógio a ultrapassar-me o passo. A vida a fugir-me à frente.
E quanto mais corro, mais me tudo escapa.

Sou uma marioneta nas mãos da sociedade. Presa. Prendem-se a vida, amordaçam-me a boca, tiram-me o tempo e eu deixo.
Eu, eu, eu deixo.

Mudar. Toda a gente tem tanto medo da mudança, de fazer algo.
E torcer o mundo e fazer dele uma tela de cores.
Falar.
Gritar.
Fazer.
Mudar. Mudar. Mudar.
Cego. O mundo está cego e eu também.
Escavar, vou chegar à superficie e sair daqui.


01 outubro, 2004

A vida só tem um sentido. Por isso, voei.

palavras que saiem do papel a voar.

Gostava de ter visto os pandas nas montanhas e enveredar numa aventura de tesouros perdidos, animais perigosos e amores selvagens.

Quando os últimos raios de sol se deitam, sinto sempre arrepios, arrepios que me atraem, para junto da noite, dos seus cheiros, dos seus encantos e segredos, quando encontrarei a tua mão?

Às vezes é díficil ser eu sem distorcer o eu. O intocável eu acaba por ser comido pelos outros eus e todos querem ser eu. É díficil ser-se eu.

E quando eu tocar o tecto do céu, serei rainha dos tempos e farei da humanidade uma tempestade passageira. Porque quem não ama, não pode ser amado. E nem o sol fará sorrir a chuva...

O coração solitário daqueles que não ouvem continua incompreendido. Paira à minha frente para sempre, numa dança surda a preto e branco. Ninguém vê.

Shh, não digas nada. Viajámos anos luz para chegar tão longe. E ninguém mais nos fará regressar, só nós mesmos. Cada pedacinho de memória aqui na minha mão. Para ser só isso, lembrança. Esconde-me de mim.

Sim, sou louca... e os pássaros voam!

26 setembro, 2004

Dá-me a tua

Os olhos querem fechar-se.
Os sons sibilam pelos cantos do quarto.
O vento corre livremente na escuridão.
Quem quer ser feliz esta noite?

Vem, dá-me a tua mão. Dançaremos a valsa da vida, na noite que jamais será esquecida.
Vem, dá-me a tua mão. Seremos lua e luar, num mundo onde há asas para voar.

Ambos sabemos que ninguém mais nos compreende neste mar de máscaras sem fim...

Eu estou aqui.
O teu raio de luz na tempestade de medos
A tua estrela que brilha no vácuo da noite




Ninguém.
Ninguém quer ser feliz esta noite.


20 setembro, 2004

Não quero representar

O passo largo, as sapatilhas rotas, o olhar de desdenho. Ao seu lado, as árvores abanavam ao de leve, pela suave brisa da manhã. Não quis abraçar os encantos da natureza, nem fugir em lembranças sonhadas. Injuriou os céus, e apressou-se para a sua triste sina de estudante.
Os seus rostos falsos trouxeram lembranças da podridão do ano que passara ali, naquela escola, com aquelas pessoas. Lembranças que, nos dias chuvosos de Verão, tentara apagar. Chegara o Outono, e com ele as folhas secas do seu jardim, o frio que aquecia a sua solidão, os apelos gritados ao vento...
Todos a olhavam, naquele corredor frio de hospital psiquiátrico. Lá ao fundo, alguém a chamou. Sorriram, acolhendo-a num teatro de amizade que nunca existiu. Não quis representar

Enquanto conversavam, apercebeu-se do nada que sentia por toda aquela gente, actores que representavam a dança da estupidez humana ilimitada. Pavoneam-se pela escola, sorrindo e falando descontraíadamente, sempre com um olho em redor, à procura de novas caras. E, quando encontram alguém conhecido, trocam beijinhos e palavras sem sentido. O quanto a repugnava toda aquela hipocrisia, todo aquele ritual de aparente acaso!

Olhou o céu e pensou na falta de sentimento e verdade nas pessoas. Quis acabar com aquilo tudo. Quis embalar o mundo no amor da estrela do mar e rasgar aquelas máscaras inutéis...
Susana virou-se e partiu daquele mundo que não compreendia.
No caminho para casa, sorriu para a velha cigana de trajes negros e sonhou com o dia em que encontrara a estrela...

15 setembro, 2004

O velho

O velho não quis saber. Entrou no café do costume, sentou-se na mesa à janela e tomou o seu pingo. Não havia preocupações. Ao nascente, um vermelho vivo coloria os céus. Vai chover, murmurou o velho. Saiu do café e tomou a rua para o jardim. À entrada do parque, um casal discutia e a criança choramingava, esquecida pela fúria dos pais. O velho não queria saber. Apressou o passo, percorreu os jardins e sentou-se no banco esquecido à sombra da tília. Abriu o livro e começou a ler calmamente as páginas soltas, à medida que mergulhava num outro mundo, numa outra vida, num outro tempo...
Começou a chover. O velho não quis saber.

13 setembro, 2004

Triste ausência

O que não sabes,
não te magoa.

Dói. Às vezes dói saber, mas continuamos sempre à procura de respostas. Vai doer, nós sabemos, mas precisamos de levar com a bala para saber a verdade, para sofrer mais um pouco a ausência de quem já não nos pertence.
Caímos, caímos na realidade, batemos no fundo, sofremos mais, será que para ela é tudo um sonho maravilhoso? Será que enquanto desço, ela sobe?

Lutando contra a maré, tento aguentar-me à superfície de uma sociedade que me puxa para baixo, para o mundo da música e das drogas, do convívio e da hipocrisia, lá, no fundo do mar, não há certezas, todos usam máscaras, escondem-se por entre algas, não há dia, apenas uma escuridão de sentidos e prazer: ilusões...
Toca-me. Não sentes? Sou feita de chuva. E para cada dia da tua ausência, uma gota cai de mim. Morro na vazia ausência da tua não existência. És um sonho. Ou és tu que me sonhas?
Pergunto-te se estou só. Prova-me o contrário...

Quantos dias de tempestade me faltam? Tu não me sentes.
Sussurro ao homem do leme que me leve com ele. Neste mar de algas venenosas, nem sempre estive só. Mas a noite desceu e elas abriram os olhos para a lua, caindo nas águas negras do mar. Estou só. Quando me juntar à noite, talvez encontre no fundo do que não sei, o luar de que todos falam...
Pedi-te que me levasses contigo, mas tu nada disseste. Foste-te embora, levado pelas ondas, prometendo-me que um dia voltarias. Quantas gotas de chuva me restam? Espero a areia quente dos teus cabelos e o néctar doce do teu coração. Mas tu não vens. Serás sonho?

04 setembro, 2004

Viver não custa, custa é saber viver...

Sentado ao balcão
Ignorando tudo ao meu lado
Desprezando tudo e todos
Em que pensava eu?
Esta vida é como um puzzle
Vão-se encaixando as peças

Viver não custa, custa é saber viver
Enfrentando a vida pronto a vencer
Se toda a gente soubesse sonhar


A vida são degraus
Subam e desçam com cuidado
E ao tentar subir, vê lá, podes cair…

Saio de mim
Quero saber o que não sei
Perder o que não ganhei
O não saber viver
É o mal de muita gente
É simples a razão de viver

A vida é um labirinto
Procura a sua saída
Não te deixes encurralar

A vida são degraus
Subam e desçam com cuidado
E ao tentar subir, vê lá, podes cair…

Sentado ao balcão

Viver não custa, custa é saber viver
Enfrentando a vida pronto a vencer
Se toda a gente soubesse sonhar


Sentado ao balcão, Censurados

Simples gotas de chuva


Hoje dancei à chuva. Olhei os céus e os meus pensamentos foram levados pelo vento. Senti as gotas de chuva limpar as minhas mágoas, não havia deuses maus, nem problemas que não fossem resolvidos. Havia sim, uma beleza sem dimensões naquele céu cinzento. Uma luz que não se via, mas que se sentia, inundava-me a mim, e à cidade numa paz sem limites... E a chuva a cair, as nuvens a brilhar, os meus olhos a amar cada pedaço de beleza daquele momento. Dentro de mim, o mundo não perecia. Havia esperança, sim. Em cada gotícula de chuva, eu via uma gota de esperança que me fazia sorrir.

Hoje dancei à chuva. E tu não estavas lá. Ninguém precisava de estar lá. Só eu, eu, eu precisava de ver. De abrir os meus olhos para as coisas simples da vida. Porque sim, a banalidade também é importante. Porque sim, a simplicidade faz-nos felizes. Pode não ser por muito tempo, mas são os bons momentos que precisamos de guardar.
Sorrio à vida e agradeço à chuva.